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Monday, 04 March 2019 04:23

A POSSE QUE NÃO HOUVE: BRIGAS NA CÂMARA MUNICIPAL DE ARACATI

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No ano de 1919, exercia o mandato de Prefeito pela segunda vez o Cel. Alexanzito Costa Lima do Partido Conservador Cearense, nomeado que fora pelo então Presidente – antiga denominação de Governador – do Estado do Ceará Dr. João Thomé de Saboia do Partido Democrata em julho de 1916.

A aliança entre os partidos políticos que elegerem o Presidente João Thomé de Saboia e Silva começou a se desfazer na eleição para Deputados Federais e Senadores que se realizaram em 1º de março 1918, quando o PRCC – Partido Conservador Cearense, e o Democrata (antigo Rabelista) tiveram candidatos ao pleito em disputa.

Quando foi deflagrada a campanha para Presidente do Estado, ainda em 1919, o PRCC foi surpreendido com o lançamento, por parte do Presidente João Thomé de Saboia, de sua candidatura à reeleição ao cargo de Presidente do Estado. Não concordando com a atitude, o PRCC rompeu com o Presidente João Thomé de Saboia.

Em 27 abril de 1919, veio ao Aracati o Deputado Godofredo Castro para fazer uma conferência no tradicional Cinema Popular sobre o tema justiça e trabalho e analisando ao mesmo tempo a administração do Governo Estadual. Antes da dita conferência se iniciar, houve na ocasião, a projeção do filme “Ceará Jornal” onde aparecia a figura do Presidente do Estado. Algumas pessoas do povo tentaram vaiar o retrato do Dr. João Thomé de Saboia, sendo impelidas pela autoridade local.

Uma enorme assistência de políticos, famílias e o povo compareceu ao Cinema Popular. O conferencista falou por mais de uma hora tecendo críticas ao Presidente Dr. João Thomé o que lhe rendeu caloroso aplauso.

No sábado seguinte, o Cel. Alexanzito Costa Lima reuniu todos os seus correligionários e amigos e ofereceu no seu palacete localizado à Rua Conselheiro Liberato Barroso – Atualmente Cel. Alexanzito – um banquete ao Deputado Godofredo de Castro.

Não houve demora por parte do Governo do Estado para a retaliação. No dia 12 de maio de 1919, segunda feira, o Jornal Diário do Estado publicou uma nota do seu correspondente com o seguinte título: A demissão do prefeito de Aracati segue a publicação:

“O ato do governo é geralmente reprovado: - A quase unanimidade da população aracatiense recebeu com indignação o ato de politicagem do governo demitindo o prefeito daqui. Ontem o presidente fazia elogiosas referências ao digno moço a quem a cidade deve melhoramentos, “avultando a iluminação elétrica”, hoje, porque não se confundiu com os traidores do partido, é demitido de um cargo em que se havia imposto ao reconhecimento de todos. Os amigos de Cel. Alexandre Matos Costa Lima projetam grande manifestação que valerá por um protesto ao ato de mera politicagem do governo para o qual o bem público se confunde com os seus interesses particulares”.

Numa jogada política e baseado na lei que existia e dava poderes à Câmara para eleger o Prefeito, pois assim dizia um artigo da constituição do estado, o Cel Alexanzito enviou um telegrama ao Presidente do Estado do Ceará nos seguintes termos:

“Presidente do Estado – Fortaleza – Tendo sido eleito pela Câmara Municipal desta cidade, de acordo com o artigo 96 da constituição Estadual, o cidadão Pompeu Costa Lima Filho, prefeito municipal, julgo-me ipso-facto, destituído do cargo que vinha exercendo de prefeito desta cidade. Faço essa comunicação a V. Excia. para os devidos fins. Aproveito a oportunidade para agradecer a V. Excia. as atenções que sempre me dispensou durante minha gestão. Saudações”.

Termo de compromisso que prestou perante a Câmara Municipal o Ilmo. Snr. Pompeu Costa Lima Filho, como Prefeito Municipal deste Município. Aos doze dias do mês de Maio de mil novecentos e dezenove, nesta cidade do Aracati, Estado do Ceará, na Casa da Câmara Municipal, perante o Presidente senhor Adrião Gondim e os demais vereadores abaixo assinados aí compareceu o Ilmo.Snr. Pompeu Costa Lima Filho eleito Prefeito em sessão extraordinária desta Câmara, hoje realizada, ao qual foi deferido o compromisso legal na seguinte forma: Prometo manter e cumprir com lealdade a Constituição da União e a do Estado, observar as suas leis, sustentar a autonomia e promover o interesse geral do Município. Recebido por este o dito compromisso, assim prometeu cumprir, do que, para constar, lavrei o presente termo que todos assinaram. Eu Antonio Felismino Neto, Secretário, escrevi. Pompeu Costa Lima Filho – Prefeito Municipal – Adrão Gondim – Presidente – Claudomiro Camelo Pessoa – Vice-presidente, Raimundo Nogueira Marcelo, Antonio Bandeira Gondim.

O Governo Estadual não demorou em responder ao despacho enviado por telegrama pelo Cel. Alexanzito Costa Lima dando ciência ao Presidente Dr. João Thomé de Saboia da nomeação pela Câmara do novo Prefeito de Aracati:

“O Dr. João Thomé transmitiu o seguinte telegrama ao presidente da Câmara daqui: “Em resposta ao vosso telegrama de 12 do corrente [Maio], no qual trouxeste ao meu conhecimento ter sido eleito, pela Câmara Municipal, um vereador para o cargo de prefeito, tenho a comunicar-vos que por decreto de hoje e de acordo com o disposto no número 16 do artigo 59 da constituição da Câmara Municipal por ser contrária a uma lei do Estado, levo ainda ao vosso conhecimento que em virtude das atribuições que me são conferidas pela mesma lei, foi nomeado prefeito desse município o Cel. Antonio Porto da Silva Figueiredo.”

A Câmara de Aracati não se conformou com a nomeação proposital de um adversário figadal como Antônio Porto da Silva Figueiredo um ferrenho e visceral inimigo político da família Costa Lima, que já exercera o poder municipal ao tempo do Cel. Franco Rabelo.

O então presidente da Câmara Municipal de Aracati, Sr. Adrião Gondim dirige um telegrama contestando a nomeação feita pelo Presidente do Estado com as alegações que considerava pertinentes:

“Acuso o recebimento do vosso telegrama de 04 corrente em que comunica haver decretado a suspensão da resolução desta Câmara, elegendo um vereador para o cargo de Intendente Municipal. Peço vênia para ponderar a V. Excia. que a câmara não se pode conformar com tal deliberação, visto como agiu em obediência ao dispositivo do artigo 96 da Constituição do Estado, que não se pode ser aludida por uma simples lei ordinária, sem que isso importe na mais completa aberração do nosso direito constitucional. A lei 264 de 2 de agosto de 1904, além de não poder demover um artigo da constituição cearense, fere profundamente a autonomia municipal, segundo a doutrina seguida e adotada por ilustres constitucionalistas indígenas. Além disso havendo dúvidas a respeito, competiria ao poder judiciário resolver o caso. É verdade que o número 16 do artigo 59 da constituição dá ao executivo estadual poderes para suspender as resoluções das câmaras municipais, quando infringirem as leis federais, do Estado ou ofenderem direitos de outros municípios. Na hipótese decorrente desta faculdade não pode prevalecer, porquanto a lei do Estado a que esta câmara deixou de obedecer, como já demonstrei, não pode subsistir em face do dispositivo constitucional de que resultou a atitude assumida pelo poder legislativo desse município. Nestas condições pondero ainda a V. Excia. que esta câmara não entrará em relações com o prefeito nomeado por V. Excia. Saudações – Adrião Gondim – Presidente da Câmara.”

Diante desta polêmica, desse impasse, surge a figura do Major Bruno Figueiredo que era vereador e irmão do Prefeito nomeado pelo Presidente do Estado, convocando uma sessão da Câmara Municipal para dar posse ao recém-nomeado Prefeito Antônio Porto da Silva Figueiredo.

O presidente da Câmara refuta o ofício do Major Bruno Figueiredo dizendo que:

“O ato de V.Sª. além de ser positivamente ilegal, porquanto somente ao prefeito municipal, ao presidente da câmara ou a maioria dos vereadores, conforme o dispositivo do artigo 9 da citada lei, cabe convocar reuniões extraordinárias. Além do mais alega o presidente da Câmara Municipal, que o Major Bruno Figueiredo não exerce mais as funções de vereador por ter em telegrama transmitido ao Presidente do Estado e publicado na Gazeta Oficial em 1917 haver renunciado ao mandato de vereador, portanto não poder agir no caráter de membro do poder legislativo municipal."

Finalizando sua resposta ao ofício de convocação da Câmara pedido pelo vereador Major Bruno Figueiredo, o presidente da Câmara afirma que a maioria dos vereadores de que se compõe a Câmara não reconhece outro Prefeito se não o cidadão Pompeu Costa Lima Filho legalmente eleito em sessão extraordinária de 12 de maio de 1919 em conformidade com o artigo 90 da constituição do Estado.

Esgotado as negociações sem obter êxito na sua pretensão, os partidários do Major Bruno Figueiredo partiram então para a força bruta com a finalidade de se consumar esse imbróglio definitivamente. Em telegrama ao Deputado Hermínio Barroso foi relato o seguinte acontecimento:

“Consumou-se hoje as 10 horas do dia a violência premeditada e apregoada pelos usurpadores da administração municipal. Heronides Figueiredo nomeado prefeito interino por João Thomé, acompanhado do sargento, praças da força pública, cerca de vinte (20) capangas e do major Bruno Figueiredo, assaltaram a secretaria da Câmara e Prefeitura e arrombaram a porta, desatendendo aos protestos que eu fiz. Conduziram todo o arquivo, móveis, pertences depositados no almoxarifado. Deixo de comunicar o fato ao presidente do Estado por julgá-lo autor intelectual do delito praticado. Saudações. Pompeu Costa Lima Filho – Prefeito”.

A Câmara de Aracati apelou então para a Justiça Federal no Ceará através do recurso do habeas-corpus, exigindo que seu direito fosse respeitado, e que o vereador Pompeu Costa Lima Filho, pudesse entrar na Câmara Municipal e exercer as funções de Prefeito para a qual tinha sido eleito em sessão extraordinária da Câmara Municipal no dia 12 de maio de 1919.

Acatando as justificativas da Câmara Municipal, o Dr. Silvio Gentio de Lima, Juiz Federal na Seção do Ceará, concedeu o habeas-corpus ao Vereador Pompeu Costa Lima Filho para que pudesse entrar livremente na Câmara e exercer as funções de Prefeito eleito pela referida Câmara.

No entanto isso não aconteceu como podemos constatar no telegrama enviado ao Deputado Federal Hermínio Barroso pelos membros da Câmara: 

“Acabamos de enviar ao general Thomas Cavalcante o seguinte telegrama: ‘Na última sessão ordinária desta Câmara, agora encerrada, lançamos o nosso protesto contra os desmandos do governo estadual destacando praças de polícia com o fim de impedir que o prefeito Pompeu Costa Lima Filho exerça livremente as suas funções, apesar de ter sido expedido, em favor do mesmo, um alvará em virtude de habeas-corpus. Pode V. Excia. Contar com a nossa inteira solidariedade e incondicional apoio para a vitória de nossa causa que é a do direito e da legalidade. Assinado: Adrião Gondim, presidente Pompeu Costa Lima Filho, prefeito, Claudomiro Camello, vice-presidente, Antônio Bandeira, Raimundo Marcela, e Leandro Ozório, vereadores’.”

Respondendo ao ofício do Juiz Federal, que considerava justo e de direito a causa do vereador Pompeu Costa Lima Filho na sua suposta pretensão, o Presidente do Estado João Thomé de Sabóia assim se referiu à decisão do Judiciário Federal:

“De posse do vosso ofício tenho a responder que desconheço a competência das Câmaras Municipais para eleger Prefeitos, porquanto a atribuição de nomeá-los foi conferida ao Poder Executivo pela lei 264, de 25 de setembro de 1895, que, nos termos do art. 149 da Constituição, revogou o art. 96 da mesma, na parte em que se refere à eleição do referido funcionário, lei que foi mantida pela de número 764, de 12 de agosto de 1904.

Esta é a razão que me leva a não tomar em consideração um ato que julgo subversivo das normas constitucionais, tanto mais quanto ele nasce de uma Câmara que, ela própria, já reconheceu como legal a autoridade do Prefeito nomeado desde que lhe deu posse, votou orçamento por proposta sua e em correspondência continua com ele se tem mantido até agora.

Quanto ao fato de não ter podido o paciente tomar conta do edifício da Prefeitura, constitui a sua pretensão uma deposição do Prefeito que está legalmente investido do cargo e já reconhecido pela Câmara que se põe agora fora da lei, sendo esta razão pela qual o referido Prefeito, Capitão Dr. Rubens Monte, se recusou a recebê-lo, tanto mais quanto ali compareceu o pretenso funcionário seguido de pessoas armadas, com fins visivelmente sediciosos.

A presença da força policial no local foi tão somente para manter a ordem pública, diante do numeroso ajuntamento que se formara e por ter tido a polícia aviso prévio de que graves ocorrências se iriam dar, as quais foram felizmente evitadas, graças mesmo às providências por ela tomadas.”

O caso então foi levado ao Supremo Tribunal Federal que evidentemente acatou os argumentos do Presidente do Estado que foram considerados legais na esfera superior do Judiciário. Referindo-se à decisão da Justiça que reconhecia o direito do Executivo Estadual de nomear os Prefeitos, o Presidente João Thomé de Saboia declarou: Triunfantes inicialmente na seção Federal deste Estado, os meus adversários viram derruída pelo Supremo Tribunal Federal a aventura subversiva, com a cassação da ordem de habeas-corpus que lhes fora concedida pelo Juiz Federal no Ceará. Os documentos aqui apresentados dizem da eloquente serenidade da ação do Governo Estadual em face desses processos de condenável politicagem...

Essa querela política deu ensejo para que ficasse cunhada nas páginas da história a famosa frase então que: “Governo é Governo”. 

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