Aracati

Friday, 23 July 2021 19:21

PERO COELHO DE SOUZA FOI O FUNDADOR DE ARACATI?

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Detalhe. Detalhe. Ednardo Nogueira.

Por mais de trinta anos, depois do descobrimento, o Brasil foi esquecido por Portugal. Somente com a implantação do regime de Capitanias Hereditárias, os portugueses vieram a se preocupar com a terra que haviam descoberto. 

Entretanto, o sistema de Capitanias Hereditárias, posto em execução no ano de 1534 para promover a colonização do Brasil, não obteve o resultado esperado. Poucas foram as que realmente prosperaram. 

Pelos idos de 1555, os franceses começaram a visitar o litoral brasileiro aonde vinham “traficar com os índios”. 

No Maranhão fundaram uma colônia na ilha de São Luís. No Ceará havia um pequeno núcleo de franceses que viviam aldeados com os índios na serra da Ibiapaba. 

Com a chegada ao Brasil do Governador-Geral Diogo Botelho, em 1º de abril de 1602, foi reiniciada uma expedição de conquista do Maranhão. Desta vez por terra e não somente pelo mar como as anteriores. 

  

UM FIDALGO DE NOME PERO COELHO 

  

Sabedor das intenções do Governador Diogo Botelho de “bater tão importunos e tenazes adversários, levando a conquista às remotas plagas da ilha de São Luís,” um homem se apresentou para a importante empreitada para a qual fez modestas exigências. “Requeria como propina, apenas para si e para os oficiais de seu séquito, o direito de alcançar mercês honoríficas de sua majestade e fazer alguns regates lícitos.” Esse homem era Pero Coelho de Sousa.  

No dizer de Carlos Studart: 

Pero Coelho era um desses fidalgos ilhéus (Açores) de rija têmpera que a ânsia de aventuras e a sede de riquezas e glórias lançara às plagas americanas. Sua conduta pregressa denunciava-lhe, aliás, o espírito agitado e interesseiro. Visando lucros, deixara anos antes o comando de uma galé do rei para se associar ao cunhado Frutuoso Barbosa, também fidalgo e comerciante, nas tentativas frustradas de colonizar as terras paraibanas, em 1582 e 1584. Semi-arruinado procurava agora uma compensação aos grandes prejuízos que sofrera trocando a farda da Marinha pelo gibão de conquistador. 

Residente na Filipéia (atual João Pessoa) onde pelo ano de 1590, fora membro do Senado da Câmara da Paraíba e que na época ali vivia como simples colono. 

Herói de feitos guerreiros notáveis na África, igualmente afeito às cruezas do mar e aos perigos das matas americanas. 

“Feliz em poder retomar, sem grandes dispêndios para a fazenda real, a política expansionista de seu antecessor, resolveu Diogo Botelho aceitar desde logo, a proposta do fidalgo aventureiro”. 

Proposta aceita, Pero Coelho recebeu a patente de capitão-mor da “nova conquista”, em 21 de janeiro de 1603. 

Com a patente de capitão-mor recebeu, também o regimento que haveria de seguir nesta jornada que a serviço de Sua Majestade vai fazer. 

[...] do Rio Grande fortificado irem ao Jaguaribe, donde se sabe haverem levado amostras de ouro a suas terras, ordenei com deliberado conselho das pessoas que no estado há, de experiências e letras, que se descobrisse por terra o porto do Jaguaribe e se tolhesse o comercio dos estrangeiros, além de descobrirem-se as minas que na terra há, oferecendo-se pazes, em nome de Sua Majestade, a todo o gentio; e para esse efeito elegi por capitão-mor dessa entrada a Pero Coelho de Souza, que conformando-se com estes os seguirá na ordem seguinte: 

Levará até a quantia de duzentos homens, que voluntariamente com ele quiserem ir levando um ou dois sacerdotes, de vida e costumes aprovados, com o gentio, que na mesma forma com que ele quiser ir até a quantia de mil pessoas. 

Fará povoação e fortes nos lugares ou portos que melhores lhe parecerem, procurando a amizade dos índios, oferecendo-lhes paz e a lei evangélica, sem os induzir nem prometer cousa que se não lhes cumpra. 

Este regimento manda-se cumprir e se registre no livro da Câmara e nos dos registros da minha câmara, para que a todo tempo conste como ele foi dado. 

Olinda, vinte e um de mil seiscentos e três. O governador, Diogo Botelho. 

  

A HISTÓRICA EXPEDIÇÃO DE PERO COELHO 

  

Vejamos então o que diz nossos principais historiadores a respeito dos objetivos da expedição de Pero Coelho. 

Cruz Filho no seu livro História do Ceará afirma que o objetivo principal da expedição era basicamente ressarcir os grandes prejuízos que tivera juntamente com seu cunhado donatário da Paraíba Frutuoso Barbosa, nas malogradas tentativas de colonizar a terra paraibana, além de empreender por terra o descobrimento do rio Jaguaribe e evitar o comércio com os estrangeiros sem ônus para o tesouro público. 

A expedição, todavia, segundo Cruz Filho, tinha outros objetivos afora evitar o comércio dos traficantes franceses, de explorar minas e realizar alianças proveitosas com o gentio, levava o “plano secreto da escravidão dos infelizes selvagens com que contava Pero Coelho recuperar os cabedais consumidos na empresa da Paraíba”. 

Vinícius Barros Leal, em Colonização Portuguesa no Ceará, nos diz que o destino da expedição era mesmo o Maranhão, sabiam os chefes mais graduados; a maioria caminhava sem saber onde, nem lhe interessava conhecer melhor o objetivo da expedição. O resultado mais positivo dessa primeira expedição, no conceito da época, foi a rica presa de indígenas apanhados como troféu de guerra. As fabulosas jazidas minerais nunca foram encontradas. 

O Barão de Studart em Datas e Fatos transmite o pensamento de que a expedição tinha mais interesse econômico do que outro qualquer objetivo; 

Querendo ver se podia recuperar em parte a perda, que com seu cunhado Frutuoso Barbosa recebera na Paraíba, e inflamado pelas notícias, que corriam acerca da uberdade e riquezas da região ainda não explorada, resolveu Pero Coelho de Souza, tentar conquistar a serra da Ibiapaba. 

No mesmo sentido também se expressa Raimundo Girão em Pequena História do Ceará; 

Numa tentativa de recuperar-se de prejuízos que, associado a Frutuoso Barbosa, seu cunhado, sofrera anteriormente, de novo a este se emparceirou, agora seduzidos ambos pelas notícias, em voga, das riquezas nas regiões além do Rio Grande, para fim de organizarem uma “bandeira”, objetivando a expulsão dos franceses e a posse das terras conquistadas. 

João Brigido, nosso polêmico historiador, ao relatar a epopéia de Pero Coelho em “Ceará Homens e Fatos” tinha uma opinião um pouco diferente dos demais. Ele dizia que: 

Os portugueses, que tinham pequenos estabelecimentos em Olinda, Iguarassu, Itamaracá e Paraíba e começaram a se estabelecer no Rio Grande do Norte, tentaram estabelecer-se também no Ceará. Pero Coelho concebeu a idéia de fundar, à sua custa e de alguns sócios uma capitania no Ceará. Obtendo da corte a patente de capitão-mor e outras concessões, como indenização de ter o rei tirado a Paraíba a seu cunhado. 

Como vimos, apesar do regimento do Governador geral Diogo Botelho ser enfático nas suas determinações, havia, no entanto, por parte de Pero Coelho, segundo nossos historiadores maiores, uma intenção deliberada de aproveitamento econômico, muito mais do que a simples expulsão dos franceses. 

A expedição partiu no mês de junho ou julho de 1603. Assim a descreveu Carlos Studart Filho, no seu memorável relato “A Bandeira de Pero Coelho.” 

[...] Pero Coelho enviou para o rio Jaguaribe três caravelões, com viveres e munições – alguns historiadores dizem que eram dois caravelões – encaminhando-se por terra à frente de seus homens. A carga dos barcos compunha-se além dos mantimentos, de ferramentas e quinquilharias. 

Em sua companhia 65 soldados, inclusive o língua-mór (intérprete) Manuel Miranda, habilitado pela sua larga vida de sertanista. Da expedição fazia parte um também jovem de 17 anos que mais tarde teria seu nome escrito em destaque nas páginas de nossa história; Martins Soares Moreno. 

Abaixo do Capitão-mor, iam por cabos da tropa Simão Nunes Correia, João Cide, João Vaz Taparica, homens valentes e igualmente afeitos às fadigas e aos perigos das guerras de conquista. 

Contava também com o concurso dos nativos, inclusive do intérprete Cancatam. Seguiam-no perto de 200 guerreiros, entre os quais se distinguiam os tabajaras, e potiguares, comandados por vários chefes indígenas. 

À expedição incorporara-se o intérprete francês Tuimirim, conhecedor antigo dos costões nordestinos, que foi mandado seguir nos barcos de mantimentos para guiá-los através daqueles mares semeados de parceis e bancos de areia. 

Agregara, portanto o Capitão-mor, em torno de si, cerca de 265 homens, entre brancos, silvícolas e mestiços, número muito inferior ao estipulado no Regimento que lhe havia sido outorgado. Tão minguado contingente fora, porém, tudo quanto lograra reunir. 

Nem o Capelão, a figura simpática e como que obrigatória das entradas brasileiras, pode ele contar para amenizar a rudeza dos sofrimentos que poderia enfrentar. 

Era aquilo com efeito, gente da pior espécie; mamelucos, semi-selvagens, tangos maus e homiziados, homens a quer fascinava apenas a perspectiva de lucros fáceis ou a promessa de perdão e esquecimento de crimes já cometidos. 

  

A CHEGADA AO JAGUARIBE 

  

A expedição caminhava sempre pela costa, de onde podiam esporadicamente avistar embarcações amigas que navegavam ao largo do litoral nordestino com cuidado de não entrarem muito pelo sertão, então totalmente desconhecidos dos expedicionários. 

Ao chegarem ao Jaguaribe, encontraram fundeados no “leito espraiado do grande rio cearense, os barcos que transportavam os mantimentos e as munições”. 

Tinha alcançado Pero Coelho o porto do Jaguaribe a pé, cumprindo um dos objetivos do regimento ordenado pelo Governador Diogo Botelho de “descobrir por terra o porto do Jaguaribe”. 

O feito do descobrimento do porto do Jaguaribe não significa que Pero Coelho tenha tido a primazia da descoberta ou fundação do Aracati como veremos adiante. 

No Jaguaribe estavam em pé de guerra os indígenas que constantemente guerreavam entre si muitas vezes por motivos pequenos. 

Com a tarefa de apaziguar os índios, teve o Capitão-mor de permanecer por algum tempo na foz do Jaguaribe, onde “fez construir imediatamente de pau a pique junto a Margem Esquerda do rio, um pequeno claustro, que foi chamado de São Lourenço, por ser o dia 10 de agosto de 1603, dia em que a igreja Católica rememora o glorioso mártir.” 

 

O FORTIM DE SÃO LOURENÇO 

  

Vejamos então o que nos diz Carlos Studart Filho sobre o fortim de São Lourenço: 

O fortim de S. Lourenço, primeira fortificação construída no Ceará por Pero Coelho de Souza nas margens do Jaguaribe em 1603 quando ali esteve de passagem para Ibiapaba. 

A história desse reduto é, como a de tantos outros edificados no Brasil, de uma obscuridade até agora impenetrável. Não consta a época precisa de sua fundação, nem se sabe com segurança o local onde foi edificado [1]. O papel que desempenhou nos primórdios de nossa colonização é igualmente conjectural. 

Imagine-se, e a isso se cinge toda sua história que nele estacionou novamente o capitão-mor em 1605, quando desanimado de receber os socorros prometidos por Diogo Botelho, batia em retirada diante dos espectros da seca e da miséria. 

Como vimos, Pero Coelho esteve duas vezes no Fortim de São Lourenço. 

Vamos então acompanhar a expedição de Pero Coelho e prosseguir com sua caminhada até o retorno à foz do Jaguaribe, pois querem alguns historiadores que o fortim de São Lourenço tenha sido edificado quando voltava o Capitão-mor da foz do rio Ceará, onde havia fundado o fortim de São Tiago, se retirando para a Paraíba fustigado pela seca e pela falta de recursos em permanecer com seu pessoal em terras do Ceará. 

Estabelecida a paz entre os índios, pode Pero Coelho dar prosseguimento a sua expedição rumo a serra da Ibiapaba, onde tinha mais um objetivo a alcançar; expulsar os franceses que ali viviam aldeados com os índios tapuias e tabajaras. 

No rio Ceará a expedição demorou o tempo suficiente para se restabelecer da dura caminhada da foz do Jaguaribe, antes de iniciar a viagem de encontro definitivo com a malta de “índios, mamelucos, mulatos da Bahia e marujos franceses chefiados por um tal Mambille. 

Em janeiro de 1604 foi travada a batalha da Ibiapaba ganha por Pero Coelho, apesar das imensas dificuldades e a ferocidade dos adversários. 

Ao vencer a guerra cometeu Pero Coelho uma grave falta; consentiu que seus subordinados ou a mando seu, caçassem os índios para escravizá-los e serem comercializados nas praças da Paraíba e Pernambuco. Esta prática apesar de aceita ao seu tempo, não estava escrita no regimento ordenado pelo Governador Diogo Botelho, regimento pelo qual o Capitão-mor deveria se reger. 

Vencida a Ibiapaba, partiu Pero Coelho para enfrentar os franceses no Maranhão. No entanto, não passou do rio Parnaíba, pois seus soldados e acompanhantes refugaram a empreitada fazendo o Capitão-mor desistir e retornar ao rio Ceará. 

Vinha acompanhado de “uma multidão de prisioneiros jungidos como se fossem animais bravios.” Na barra do rio Ceará Pero Coelho levantou um fortim chamado de São Tiago. Denominou o local de Nova Lisboa; e as terras circundantes de Nova Lusitânia. 

Era intenção do Capitão-mor se estabelecer na nova terra, iniciando uma colonização que iria lhe trazer os rendimentos esperados desde a saída da expedição, e que até então, nada tinha sido obtido daquilo que havia sonhado conquistar, como as minas e outros tesouros a serem descobertos. 

Ao passar do tempo sem víveres, munições, nem sementes enfim sem nenhum recurso que tanto precisava para desenvolver o pequeno povoado. Resolveu Pero Coelho voltar à Paraíba, deixando seu companheiro Simão Nunes com 45 homens no fortim recém-construído. 

Ia também buscar a família e negociar os índios escravizados que somavam quase 200. 

Chegando à Paraíba comunicou o resultado da expedição ao Governador Diogo Botelho e pediu auxílio para continuar na conquista. Remeteu então de presente ao Governador 10 franceses prisioneiros e alguns índios capturados. 

O Governador Diogo Botelho, de tudo inteirado, prometeu ajudar ao Capitão-mor. Entretanto os 18 meses de permanência de Pero Coelho na Paraíba foram de dissabores e aborrecimentos. Tudo por causa da comercialização dos índios. Mesmo tendo obtido o consentimento para a venda dos indígenas da “junta de letrados de Pernambuco” e de outros tribunais, inclusive da Bahia. O Governador Diogo Botelho “não permitiu a comercialização dos silvícolas e mandou colocar em liberdade todos os habitantes da selva cearense capturados pelos bandeirantes em 1603”. 

Somente em 1605 retornou Pero Coelho, numa caravela à povoação de Nova Lisboa. 

Trazia consigo sua mulher Dª Thomasia, os filhos e algum mantimento. Era realmente – como já afirmei anteriormente – intenção de Pero Coelho promover a colonização da terra que havia conquistado. A presença da mulher e dos filhos era uma evidência clara que sua vontade era se fixar em Nova Lisboa e expandir seus domínios por toda Nova Lusitânia. 

Infelizmente os recursos e a ajuda prometida pelo Governador geral não chegaram; com isso a miséria e o abandono se alastraram entre os moradores da pequena colônia. 

Segundo Varnhagem, a ajuda do Governador foi “entregue a um aventureiro chamado João Soromenho, este portador velejou até o rio Jaguaribe, e aqui se deixou ficar, a caçar índios para vender na Paraíba e no Recife”. 

Outra versão da história é que o Governador Diogo Botelho nunca mandou ajuda para Pero Coelho, “pois acreditava que esta ajuda serviria somente para escravizar mais índios”. 

Diante do abandono em que se achavam, pediram os colonos que fosse transferido o arraial Nova Lisboa para a foz do Jaguaribe onde estariam mais perto das terras povoadas. (O rio Grande do Norte era o último reduto onde habitavam brancos) e com mais facilidades poderiam ser socorridos. “Assim foi forçoso despovoar-se aquele sítio onde já era feito uma cidade” assim se referiu Martim Soares Moreno. 

Pero Coelho aceita a sugestão de seu pessoal e transporta-se para a margem esquerda do rio Jaguaribe. 

Ao chegarem ao fortim de São Lourenço encontram tudo abandonado e coberto por mato. Iniciam então o trabalho de recuperação do lugar onde pretendiam passar algum tempo. No entanto, as mesmas dificuldades que se apresentaram na barra do Ceará, continuaram no fortim de São Lourenço. 

O companheiro de jornada Simão Nunes, imaginando que Pero Coelho quisesse permanecer “nesta terra árida e hostil”, resolveu abandonar o Capitão-mor acompanhado de muitos que com ele decidiram rumar para o Rio Grande do Norte. Atravessaram o rio no lugar mais estreito e seguiram viagem “demandando melhores terras e climas menos ásperos”. 

O Capitão-mor Pero Coelho ficou acompanhado somente de “18 soldados estropiados e um fiel índio de nome Gonçalo”. 

Carlos Studart assim relata os últimos acontecimentos da retirada do Capitão-mor Pero Coelho: 

Vendo-se abandonado e traído, delibera Pero Coelho regressar à Paraíba. Não havia, porém uma só embarcação para passar o rio, nem recursos com que as constituísse. Com infindos trabalhos, improvisou-se então, de raízes de mangue, grosseira e frágil jangada, que serviu ao transporte de todo pessoal. 

O historiador João Brigido no seu trabalho “Há 300 anos – Pero Coelho de Sousa, para a Revista do Instituto Histórico se refere a esse fato um pouco diferente. Diz ele que: 

Pero Coelho sem jangada ou canoas para transpor o rio, empreendeu viagem nova indo vadeá-lo algumas léguas acima da foz, onde foi possível, e seguiu em direção a Natal. 

Em Meia Crônica do Jaguaribe, diz João Brigido que “Pero Coelho teve que vadear o rio parece que em Passagem de Pedras[2]”. 

Continua Carlos Studart sua narrativa: “Alcançada a margem oposta organiza-se a caravana para a longa travessia. Vão à frente os cinco filhos do Capitão-mor, seguem-lhe os soldados e ele e a mulher fecham a marcha”. 

O Barão de Studart resume com maestria a emigração do que restou da primeira expedição de colonização do Ceará. 

A travessia da infeliz caravana, de que faziam parte os cinco filhos do Capitão-mor, dos quais o mais velho tinha 18 anos, todos a morrerem de fome e de sede, sob um céu ardentíssimo, é um verdadeiro poema de dores. 

Depois de perderem vários companheiros, entre os quais o filho mais velho do Capitão-mor, chegaram os expedicionários esqueléticos, loucos de fome, sendo recolhidos pelo vigário do Rio Grande do Norte. 

  

O FIM DA EPOPEIA 

  

A epopeia de Pero Coelho terminava em 1606, quando recuperados seguiram todos a Paraíba e o Capitão-mor viajou para o Reino a fim de reclamar do governo da metrópole o pagamento dos seus serviços na conquista do Ceará. Nunca recebeu nada pelo que julgava justo e merecido. Morreu esquecido, pobre e desiludido em Lisboa em data incerta. 

Voltemos, no entanto, para o objetivo principal desse trabalho que se destina a provar que não foi o Capitão-mor Pero Coelho nosso fundador. 

João Brigido no seu livro Ceará Homens e Fatos afirma que: 

Depois disso nenhuma notícia mais dessa localidade. Por outro, todo o tempo em que o Ceará esteve inquietado ou efetivamente ocupado pelos holandeses nenhum fato se deu que indicasse existir ali (Aracati) uma povoação ou arraial. Entre os anos de 1625 até 1654 quando os holandeses foram expulsos, em todo esse tempo, de lutas por mar e por terra, não houve fato que se declinasse o nome Aracati ou fosse digno de menção. Como que não existia, ou antes não era colonizado. 

Sabemos que existe contestação a respeito dessa informação histórica defendida por João Brigido. No entanto, queremos mais uma vez demonstrar que o Aracati somente veio a ser conhecido muito tempo depois da passagem de Pero Coelho. Não podendo, portanto, aceitar a ideia de que tenha sido ele nosso fundador, pois estaria incorrendo num erro histórico que muitos ainda insistem em aceitar como verdadeiro. 

  

DESFAZENDO UM EQUÍVOCO 

  

Baseado no parecer de vários estudiosos formamos nossa opinião e assim podemos afirmar com certeza que o fortim de São Lourenço não foi o núcleo inicial que deu origem à cidade de Aracati. 

O local onde se originaria a cidade de Aracati estaria localizado distante 18 km rio acima à Margem Direita chamado posteriormente de Porto dos Barcos do Jaguaribe, aonde no futuro iria se desenvolver um próspero comércio de carnes dando origem à cidade de Aracati; naquele tempo – 1603 – não existia arraial nem coisa alguma que marcasse a presença do homem branco naquele lugar. 

Portanto, Pero Coelho de Souza, não poderia nunca ter sido nosso fundador. Seu grande feito em relação à história do Aracati é ter “chegado por terra” ao porto do Jaguaribe, pois por mar este porto era bastante conhecido nos mapas da época. 

  

SE NÃO FOI PERO COELHO QUEM FOI ENTÃO O FUNDADOR DE ARACATI? 

  

Existem controvérsias a respeito dos primeiros habitantes de Aracati. No entanto, baseado em informações de estudiosos, acreditamos que muito antes do pedido de sesmarias feito pelo Capitão-mor Manuel de Abreu Soares, Teodosio de Gracisman e outros, todos do Rio Grande do Norte, o arraial de São José já era habitado. Há uma afirmação que diz que “na zona costeira do Ceará, depois do núcleo da Fortaleza a partir de 1621 existia um arraial de pescadores chamado São José, núcleo de povoação do Aracati” [3]

Entretanto, de 1680 a 1690 pouco se conhece da povoação do interior do Ceará. 

A partir de 1681, quando o Capitão-mor Manuel de Abreu Soares e 14 companheiros todos moradores e filhos do Rio Grande do Norte, entre eles Teodosio de Gracisman e Gregório de Gracisman, requerem ao Governador da Bahia, “as terras das últimas povoações daquela Capitania (RN) para o norte, o rio a que chamam Jaguaribe, o qual nunca fora povoado de brancos, e dado o caso que algumas pessoas tivessem pedido não fizeram as povoações no tempo da lei e por isso pediam as terras por devolutas, começando a medição na barra do rio para o sertão da costa”. 

O Governador Roque Costa Barreto concedeu duas léguas de terras em quadro para cada um em 23 de janeiro de 1681. Até esse tempo não havia branco no Jaguaribe, nem mesmo próximo da barra, de onde começou a povoação [4]

Em 1687, aconteceu o levante dos índios contra os brancos em todo o Ceará e no Rio Grande do Norte. Os proprietários das terras entre eles Manuel de Abreu Soares, pediram auxílio ao Governador do Rio Grande do Norte e do Ceará para combater os índios. Infelizmente a força destas Capitanias não foi suficiente para derrotar os indígenas. Foi preciso então apelar para o Governador Paulista pedindo que enviasse bandeirantes acostumados a guerrear com os índios. 

No Ceará os paulistas foram alojados no arraial de São José, pois era o único lugar habitado no Jaguaribe e onde poderiam se abastecer de mantimentos e de mais fácil comunicação pela costa com o Rio Grande do Norte. 

Antonio Bezerra em “Algumas Origens” acredita que este lugar seja o Aracati que no início se chamava arraial e foi aqui que ficaram as tropas comandadas pelo mestre de campo paulista Matias Cardoso. 

Em 1701, o Capitão-mor Manuel de Abreu Soares fundou o sítio que sua viúva Dª Maria de Siqueira, sua filha Helena Barbosa de Albuquerque e seu marido Pascoal Gomes de Lima, venderam por escritura de 6 de dezembro de 1701, com a denominação de Aracati ao Comissário geral Teodosio de Gracisman [5]

Em 1707, Teodosio de Gracisman em petição ao reino, afirmava: “que desde 1683 até o tempo presente está povoada a ribeira do Jaguaribe com gado e mais criações. Sendo ele o primeiro descobridor e povoador da dita ribeira, fazendo as primeiras pazes com os tapuias que nela habitavam”. 

Devido aos constantes deslocamentos da corrente colonizadora, com pernambucanos, paraibanos e riograndenses, que ora subiam rio acima, ora desciam em procura de terras para a criação, surgiu o povoado de São José do Porto dos Barcos do Jaguaribe. 

Em pouco tempo São José tornou-se “um pequeno arraial de pescadores, homens do mar e vendilhões”. 

A criação do povoado foi toda espontânea [6]

Não se sabe ao certo quando principiaram a funcionar as charqueadas do Ceará, mas é fora de dúvida que datam de época anterior a 1740[7]

Foram as oficinas de carne que deram o grande impulso econômico e social ao arraial de São José do Porto dos Barcos do Jaguaribe. 

Devido ao crescimento do arraial, resolveram as autoridades criar a Vila de Santa Cruz do Aracati em fevereiro de 1748. O terreno da vila, no entanto não passava de meia légua quadrada [8]. Fato que muito desagradou os aracatienses. 

Com o decorrer do tempo os aracatienses, através da Câmara dos Vereadores, apelaram para que o terreno da vila fosse aumentado. O pedido foi atendido pela Rainha Dª Maria e demarcado pelo Governador Bernardo de Vasconcelos em 1800. Ficando o termo da vila bastante aumentado; indo da margem oriental do Jaguaribe até o Mossoró, inclusive Pau Infincado, e desde à barra do Jaguaribe até Passagem de Pedras(Itaiçaba) incluindo Jiqui e a Caatinga do Góes(Jaguaruana). 

Em Terra Aracatiense Abelardo Costa Lima descreve mais uma vez ainda a insatisfação dos aracatienses com a demarcação do terreno da vila de Santa Cruz do Aracati: “Um fato, porém trazia grandes e contínuos dissabores, é que só lhes pertenciam as terras da margem direita do Jaguaribe, sendo que as da margem esquerda eram da jurisdição de Aquiraz. Uma preocupação constante era que os criminosos que praticavam qualquer delito no termo de Aracati, bastava atravessar o rio e estavam livres da justiça do Aracati”. 

Esta injustiça foi reparada com o decreto Imperial de 16 de fevereiro de 1820, concedendo ao Aracati as terras da margem ocidental do Jaguaribe. Onde Pero Coelho de Souza em 1603 construiu o fortim de São Lourenço. 

Portanto, para finalizar este trabalho que tem o objetivo de demonstrar que não foi Pero Coelho de Souza nosso fundador. Concluo, como foi detalhado acima, que o terreno onde foi levantado o fortim de São Lourenço não pertencia ao Aracati. Somente a partir de 1820, 217 anos depois, foi incorporado ao termo da Vila de Santa Cruz do Aracati. 


[1] O mapa de Pero Coelho, indica muito bem o local onde foi levantado o fortim de São Lourenço. Em anexo a este trabalho apresento o mapa da expedição dos padres Pinto e Filgueira em 1607, que foi baseado no mapa do Pero Coelho, e que mostra com exatidão o lugar onde existiu o fortim de São Lourenço. Muito provavelmente onde hoje está localizada a cidade do Fortim. 

[2] Itaiçaba. 

[3] Ernani Bunoro (História do Brasil, 2, Nordeste). 

[4] Antonio Bezerra em “Algumas Origens” afirma que a colonização do Ceará começou pelo litoral. 

[5] Teodosio de Gracisman era pai do Tenente-General Gregório de Gracisman que doou a sua sobrinha Paula Barbosa de Gracisman por ocasião do seu casamento com Matias Ferreira da Costa, as terras do Aracati. Foi este casal que doou o terreno para que fosse instalada a vila de Santa Cruz do Aracati pelo Ouvidor Manuel Jose de Farias em Abril de 1748. 

[6] Abelardo Costa Lima: “Terra Aracatiense”. 

[7] Raimundo Girão: “História Econômica do Ceará”. 

[8] As dimensões da Vila: Meia légua pelo rio acima, pegando da Gamboa que parte para ilha dos veados com outro tanto de fundo para a banda do nascente ou para onde o rumo der, perfazendo 1500 braças em quadro(Datas e Fatos para a Historia do Ceara, Barão de Studart). 

Lido 1554 vezes Última modificação em Sunday, 06 November 2022 15:16
Antero Pereira Filho

ANTERO PEREIRA FILHO, nasceu em Aracati-CE em 30 de novembro de 1946. Terceiro filho do casal Antero Pereira da Silva e Maria Bezerra da Silva, Antero cresceu na Terra dos Bons Ventos, onde foi alfabetizado pela professora Dona Preta, uma querida amiga da família. Estudou no Grupo Escolar Barão de Aracati até 1957 e, a partir de 1958, no Colégio Marista de Aracati, onde concluiu o Curso Ginasial.
Em 1974, Antero casou-se com Maria do Carmo Praça Pereira e juntos tiveram três filhos: Janaina Praça Pereira, Armando Pinto Praça Neto e Juliana Praça Pereira. Graduou-se em Ciências Econômicas pela URRN-RN em 1976 e desde então tem se destacado em sua carreira profissional.
Antero atuou como presidente do Instituto do Museu Jaguaribano em duas gestões (1976-1979/1982-1985) e foi secretário na gestão do prefeito Abelardo Gurgel Costa Lima Filho (1992-1996), responsável pela Secretaria de Indústria, Comércio, Turismo e Cultura.
Além de sua carreira profissional, Antero é conhecido por seus estudos sobre a história e a memória da cidade e do povo aracatiense, amplamente divulgados em crônicas e artigos publicados na imprensa local desde 1975. Em 2005, sua crônica "O Amor do Palhaço" foi adaptada para o cinema em um curta-metragem (15") com direção de seu filho, Armando Praça Neto.

Obra

Assim me Contaram. (1ª Edição 1996 e 2ª Edição 2015)
Histórias de Assombração do Aracati. Publicação do autor. (1ª Edição 2006 e 2ª Edição 2016)
Ponte Presidente Juscelino Kubitschek. (2009)
A Maçonaria em Aracati (1920-1949). (2010)
Aracati era assim... (2024)
Fatos e Acontecimentos Marcantes da História do Aracati. (Inédito)
Notícias do Povo Aracatiense (Inédito)

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