Aracati

Thursday, 14 January 2016 21:02

BANHEIROS PÚBLICOS DE ARACATI

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Somente aqueles que estão chegando aos sessenta anos, no início da terceira idade, como se convencionou chamar o começo da velhice, conheceram a existência na cidade de Aracati dos populares banheiros públicos que aqui funcionaram nas décadas dos anos quarenta e cinquenta. 

Esses banheiros, em sua maioria, eram construções simplórias, compostos de um reservado onde ficavam os tanques de cimento para o banho de cuia, e o boteco na antessala do banho, com seu balcão de madeira ou de cimento e uma prateleira por trás, repleta de garrafas de cachaça. A mobília eram tamboretes de três pernas com assento redondo, um tosco e comprido banco de madeira encostado na parede de frente para o balcão, onde ficavam sentados os banhistas e frequentadores, bebericando e conversando, esperando sua vez de tomar o banho. 

  

Eram visitados exclusivamente por homens, geralmente das classes menos favorecidas que se utilizavam do banheiro para tomar banho – naturalmente -, tragar uns goles de cachaça e conversar com os amigos depois de um dia de trabalho. No banheiro se conversava a respeito de tudo. Do pouco salário que recebiam da carteira profissional que não era assinada, discutiam futebol e falavam da vida alheia como era costume. O horário de funcionamento desses banheiros era normalmente das seis horas da manhã até às sete horas da noite, quase nunca se estendiam além desse período de permanência. 

  

QUINCAS CANUTO 

  

Havia entre tantos outros, quatro banheiros públicos que se destacaram dos demais que foram: O de Quincas Canuto, que funcionava a Rua Duque de Caxias esquina com a atual Travessa Tabelião João Paulo, era frequentado pelos trabalhadores das salinas que utilizavam o banheiro quando do retorno do trabalho nas salinas da Beirada. Seu proprietário era um senhor de estatura mediana, um pouco entroncado, de fala mansa, que educadamente atendia a todos aqueles que buscavam seu banheiro como espaço de lazer e de higiene pessoal. 

  

ROSA QUIRINO 

  

O banheiro de Rosa Quirino não tinha um formato muito diferente do seu concorrente mais próximo que era o Quincas Canuto. Ficava numa estreita Rua do Campo Verde num vasto quintal repleto de árvores que fazia uma sombra muito agradável. Rosa Quirino uma franzina senhora, mãe de uma família numerosa, mantinha seu banheiro dentro do padrão e dos costumes para atender seus frequentadores que não tinham o mesmo perfil daqueles que frequentavam o banheiro da Rua Duque de Caxias. 

  

Os frequentadores do banheiro de Rosa Quirino eram trabalhadores das olarias que existiam pelo Campo Verde – antiga várzea do Prado -. Operários da Fábrica de Tecidos Santa Tereza, que moravam no bairro, que ao final da tarde iam ao banheiro fazer seu asseio pessoal, tomando aquele frio banho de cuia, tirando a água dos velhos tanques de cimento com cacos de vidros dentro para que ninguém tivesse a ousadia de entrar. 

  

Todos os banheiros mantinham essa tática dos vidros dentro dos tanques para evitar que os banhistas entrassem e sujassem a água. Também em Rosa Quirino se bebia uma boa cachaça feita nos alambiques do Cumbe. 

  

ZÉ ANÃO 

  

Outro famoso banheiro público foi o banheiro do Zé Anão que nada tinha de anão. Esse apelido ele herdou de seus antepassados, passando posteriormente para seus familiares, entre eles nosso saudoso amigo Antônio Menezes, conhecido como Toinho Anão, de quem era o genitor. 

  

Zé Anão era conhecido por seu temperamento explosivo e destemperado. Era “grosso,” não tinha gentileza nem delicadeza com ele, mas mesmo assim seu banheiro tinha uma grande frequência. Tinha entre seus frequentadores o pessoal da antiga Maloca, cabeceiros dos armazéns da Casa Costa Lima, de Caminha & Cia. Seu banheiro ficava no foco da Maloca, na atual Rua Antônio Calixto, reduto pouco amistoso para gente desconhecida do ambiente. Mesmo convivendo no meio dos “bambas” Zé Anão era respeitado no seu estabelecimento. 

  

Assim como os outros, o banheiro do Zé Anão oferecia um banho de água limpa e muito fria, conservada em tanques de cimento e se bebia uma cachaça branca de fabricação aracatiense. 

 

JÚLIA

  

Finalmente o banheiro de D. Júlia, o mais central de todos os banheiros, localizado na antiga Praça dos Bambus atualmente Praça Adolfo Caminha. Igualmente a todos os outros, era famoso pelo banho frio da água límpida tirada por baldes de um enorme cacimbão – era o único banheiro a possuir um cacimbão - privilégio que somente os abastados da cidade tinham em suas casas. 

 

Júlia era uma senhora um pouco corpulenta de pele morena que juntamente com seu marido dirigia o banheiro. Era frequentado pela “elite” se comparado com os assíduos fregueses dos outros banheiros. Seus clientes mais habituais eram os funcionários públicos de então e empregados das casas comerciais – caixeiros, pessoal de escritório - existentes no Aracati do passado.

  

O banheiro de D. Júlia era mais usado para se beber e conversar do que mesmo propriamente para a finalidade do banho. Era como um clube frequentado somente por homens que se reuniam todos os dias para beber e conversar amenidades. No entanto, isso não queria dizer que não havia o banho. Claro que o banho fazia parte do cerimonial no final dos drinques para aliviar o calor e eliminar o efeito do álcool quando esse começava a dominar o corpo. 

  

Uma característica diferenciava o banheiro de D. Júlia dos demais. Uma cortesia que prestava aos seus amiudados clientes: No banheiro de D. Júlia quem se dirigia ao banho recebia um par de tamancos para calçar durante o banho. Depois de banhado, o cliente tinha então que devolver os tamancos que seriam utilizados posteriormente por outros fregueses. Luxo que somente o banheiro de D. Júlia proporcionava aos seus convivas. 

  

O tempo e as mudanças de costumes foram aos poucos acabando com os banheiros públicos de Aracati. Somente um banheiro público ainda permanece em atividade na cidade de Aracati, mesmo assim totalmente descaracterizado em sua originalidade do passado: O banheiro de D. Júlia que funciona aos cuidados dos herdeiros. 

  

Foi esse banheiro palco do último encontro entre dois grandes e famosos amigos: Caio Cid, famoso cronista do jornal Correio do Ceará e Antônio Felismino Neto, ex-deputado Estadual do Aracati, conhecido como um dos “homens de bronze”, pela postura honesta e leal, num episódio político havido em 1935 que se tornou celebre na história política do Ceará. 

  

Sobre ele assim se referiu Caio Cid numa belíssima crônica logo depois do falecimento em 1954: “Quando outro dia tomei aquele teco-teco, rumo a Aracati e sem qualquer objetivo, nem de leve suspeitava que fosse abraçar pela última vez o meu velho e querido amigo Felismino Neto. Desaparecera, em silêncio, e com a maior naturalidade, um dos homens mais fortes e mais puros de quantos já beberam ar e luz sob este profundo e claro céu que nos cobre.” 

  

Foi, portanto no banheiro de D. Júlia na antiga Praça dos Bambus, que Caio Cid e Felismino Neto duas figuras históricas do Ceará, cada um em sua área de atuação, brindaram sua amizade pela última vez. 

 

Lido 620 vezes Última modificação em Sunday, 06 November 2022 14:44
Antero Pereira Filho

ANTERO PEREIRA FILHO, nasceu em Aracati-CE em 30 de novembro de 1946. Terceiro filho do casal Antero Pereira da Silva e Maria Bezerra da Silva, Antero cresceu na Terra dos Bons Ventos, onde foi alfabetizado pela professora Dona Preta, uma querida amiga da família. Estudou no Grupo Escolar Barão de Aracati até 1957 e, a partir de 1958, no Colégio Marista de Aracati, onde concluiu o Curso Ginasial.
Em 1974, Antero casou-se com Maria do Carmo Praça Pereira e juntos tiveram três filhos: Janaina Praça Pereira, Armando Pinto Praça Neto e Juliana Praça Pereira. Graduou-se em Ciências Econômicas pela URRN-RN em 1976 e desde então tem se destacado em sua carreira profissional.
Antero atuou como presidente do Instituto do Museu Jaguaribano em duas gestões (1976-1979/1982-1985) e foi secretário na gestão do prefeito Abelardo Gurgel Costa Lima Filho (1992-1996), responsável pela Secretaria de Indústria, Comércio, Turismo e Cultura.
Além de sua carreira profissional, Antero é conhecido por seus estudos sobre a história e a memória da cidade e do povo aracatiense, amplamente divulgados em crônicas e artigos publicados na imprensa local desde 1975. Em 2005, sua crônica "O Amor do Palhaço" foi adaptada para o cinema em um curta-metragem (15") com direção de seu filho, Armando Praça Neto.

Obra

Assim me Contaram. (1ª Edição 1996 e 2ª Edição 2015)
Histórias de Assombração do Aracati. Publicação do autor. (1ª Edição 2006 e 2ª Edição 2016)
Ponte Presidente Juscelino Kubitschek. (2009)
A Maçonaria em Aracati (1920-1949). (2010)
Aracati era assim... (2024)
Fatos e Acontecimentos Marcantes da História do Aracati. (Inédito)
Notícias do Povo Aracatiense (Inédito)

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