Aracati

Sunday, 03 January 2016 20:12

TRAGÉDIA | A TARDE DE DOMINGO

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Como fazia aos domingos bem cedo, trajando seu melhor uniforme de chauffeur, José Padilha, conhecido por Yoyô, estacionava o reluzente automóvel Studebaker, de cor preta, conversível, em frente ao imponente sobrado do Cel. Alexanzito Costa Lima, para conduzi-lo juntamente com sua esposa, Dª. Egisa Leite Costa Lima, à tradicional missa das 8 horas da manhã na Igreja do Bonfim, onde se reunia a elite aracatiense para assistir à celebração conduzida pelo vigário Monsenhor Bruno Figueiredo. 

Depois da missa, o Cel. Alexanzito Costa Lima seguia para seu sítio, no São José, onde costumeiramente se realizava um piquenique, quando ele reunia numeroso círculo de amigos. 

  

Naquele domingo, 15 de fevereiro de 1925, o Cel. Alexanzito Costa Lima retornou mais cedo ao Aracati depois da festança onde conversou animadamente com o prefeito Cel. João Porto Caminha (casado com sua irmã Celi) e Major Bruno Figueiredo. 

  

ENCONTRO FORTUITO 

  

Yoyô, aproveitando a folga que lhe concedia o patrão pelo restante da tarde, tomou o rumo do aterro de Zé Leite, atual rua Duque de Caxias, para ir à casa das irmãs Carreiro, ao encontro de Ana, com quem mantinha uma “amizade” como se dizia à época. 

  

As irmãs Carreiro eram conhecidas pela beleza e formosura. Despertavam paixões pela graça e pelo encanto da beldade morena que encarnavam no jeito e no porte. Eram símbolos da lindeza e por muitos desejadas.  

  

Correram todos para a sala e o que viram foi aterrorizador: Ana agonizante, caída no chão, ferida, com a expressão da morte no olhar, não conseguia balbuciar palavra alguma. 

Ao chegar à residência das irmãs Carreiro, Yoyô encontrou a casa cheia de amigos a conversar no terreiro da casa onde Maria Carreiro, irmã de Ana, e amásia do Cel. Zé Leite Gondim, moía num velho moinho manual uns grãos de café para passar o café da tarde que serviria às visitas. 

  

Yoyô depois de cumprimentar a todos, afastou-se do terreiro, entrou na casa, indo sentar-se na sala para conversar com Ana Carreiro. 

  

Entretidos com os assuntos diversos, as pessoas que estavam no terreiro da casa até se esqueceram de chamar Yoyô e Ana para tomarem o café preparado por Maria. De repente, por volta das 4 horas da tarde, ouviram um estampido forte como um tiro de arma de fogo, vindo da sala onde estavam a conversar Ana e Yoyô. Correram todos para a sala e o que viram foi aterrorizador: Ana agonizante, caída no chão, ferida, com a expressão da morte no olhar, não conseguia balbuciar palavra alguma. Pela porta aberta da entrada da casa, as testemunhas daquela cena avistaram então Yoyô que fugia em desesperada carreira pela várzea do Rosário[1]. 

  

A FUGA 

  

Despertado pelos gritos de aflição que vinham da casa das irmãs Carreiro, o Cel. Zé Leite Gondim que tinha uma casa quase vizinha a da sua amásia, se dirigia ao local do alvoroço quando se defrontou com Zé Catingueira que já vinha ao seu encontro: 

  

- Cel. Mataram Ana. 

  

- Quem foi o infeliz que fez essa desgraça? 

  

- Yoyô chauffeur do Cel. Alexanzito. 

  

Desesperado, o Cel. Zé Leite Gondim, ainda de pijama, buscou seu antigo rifle Winchester calibre 44, papo amarelo, que há muito havia aposentado e se dirigiu à casa de sua amásia de onde se ouviam gritos desvairados. 

  

Ao chegar à casa perguntou pelo infeliz que fizera aquela desgraça. Apontaram para a várzea do Rosário, onde ao longe se avistava em debelada carreira, o chauffeur  Yoyô, ainda vestido com o uniforme de serviço com a boina característica dos motoristas daquela época. 

  

O Cel. Zé Leite Gondim, abaixou-se dobrando os joelhos em posição de tiro, apontando o rifle para o agressor de Ana Carreiro. Fez pontaria e apertou o gatilho. A ressonância do estrondo do tiro se propagou por toda cidade no silêncio daquela tarde de domingo. 

  

Ao se levantar, o Cel. Zé Leite Gondim não acreditava no acontecido, não queria acreditar no que havia feito. 

  

Incrédulo diante do quadro que se apresentava mesmo à distância, o Cel. Zé Leite desconfiado, chamou Chico Pinheiro, testemunha que a tudo presenciara, de sua barbearia ali perto, e ordenou-lhe que fosse verificar o que realmente tinha sucedido. 

  

- Chico Pinheiro, vá até o local ver como está o homem! 

  

UM CORPO ESTENDIDO NA VÁRZEA 

  

Ao retornar à presença do Cel. Zé Leite Gondim que se encontrava sentado num tamborete com o rifle sobre as pernas, Chico Pinheiro, confirmou que o “homem tava morto”. O Cel. Zé Leite Gondim diante da tragédia pronunciou as seguintes palavras: “Eu não atirei para matar. Mas o que tá feito não se pode desmanchar”. 

  

Numa distância de quase “230 passos,” bem ao fundo da Igreja do Rosário, jazia, numa poça de sangue que jorrava da cabeça perfurada pela bala 44 do rifle do Cel. Zé Leite Gondim, o chauffeur do Cel. Alexanzito Costa Lima- o homem mais poderoso do Aracati- o jovem e inditoso Yoyô. 

  

Enquanto a turba se avolumava para tomar noção do que havia acontecido, o Cel. Zé Leite Gondim se afastava do local do crime a fim de livrar o flagrante. 

  

Marcado pela tragédia inesperada, o Cel. Zé Leite Gondim, ex-delegado de polícia do Aracati, ao tempo de sua mocidade, um cidadão conceituado, de regular fortuna e membro de importante família no dizer dos jornais da época, viu-se perpetuamente manchado por um ato que, na verdade, não quisera praticar. 

  

Estando o delegado de polícia, o senhor Vicente Rodrigues, ausente da cidade, quem compareceu ao local do crime foi o subdelegado José Roberto Costa, que ouviu as testemunhas. 

  

Ao cair da noite o Cel. Zé Leite Gondim, espontaneamente se entregou à polícia sendo recolhido ao quartel do Estado Maior na Câmara Municipal. Sua prisão, entretanto, teve a duração de uma madrugada. Ao nascer do dia o Cel. Zé Leite acompanhado de um fiel vaqueiro de nome Manuel Pinheiro, que há muitos anos lhe servia, fugiu a cavalo para sua terra natal, a cidade de Icó de onde tinha saído ainda muito jovem para viver em Aracati. Nunca mais o Cel. Zé Leite Gondim retornou ao Aracati onde ficaram seus familiares entre eles sua filha, casada com um vereador de então, Antonio Bandeira. 

  

O SILÊNCIO DE ANA E YOYÔ 

  

A cidade não dormiu naquele domingo de tristeza. Ao tempo que o corpo de Yoyô era velado em sua casa por amigos e familiares que lamentavam o triste episódio, Ana Carreiro padecia com os seus sofrimentos. A ferida produzida pela bala do revólver de Yoyô causara uma hemorragia interna que fazia a jovem definhar e morrer aos poucos, diante dos presentes, que lhe guardavam o quarto de enferma moribunda, deitada numa cama entre lençóis banhados de sangue. 

  

Passadas 24 horas de cruéis sofrimentos, Ana Carreiro veio a falecer. 

  

O sepultamento dos dois infelizes personagens dessa história aconteceu no mesmo dia, ao final da tarde do dia 16 de fevereiro de 1925, uma segunda-feira. Apesar dos dois cortejos fúnebres terem saídos de lugares distintos e distantes um do outro; por uma cruel fatalidade ou uma estranha coincidência, chegaram ao mesmo tempo e na mesma hora ao portão do cemitério São Pedro onde foram sepultados. 

  

Interrogações que nem o tempo nem ninguém jamais soube ou pode explicar continuam sem resposta:  Por que Yoyô portava um revólver naquela ocasião? Teria motivos para atirar em Ana Carreiro por quem tinha tanta afeição? Teria então sido casual o fatídico e criminoso disparo? 

  

Yoyô não teve tempo de esclarecer ou explicar e o grave ferimento que a bala causou a Ana Carreiro, deixando-a em coma, impossibilitou-a de falar e contar o ocorrido. O inexplicável mistério da morte e o silêncio eterno da tumba fizeram com que as respostas jamais fossem ouvidas ou escutadas. As dúvidas ficaram sem explicações para o trágico e doloroso destino dos dois amantes. 


[1] Igreja do Rosário 

 

Lido 311 vezes Última modificação em Sunday, 06 November 2022 14:39
Antero Pereira Filho

ANTERO PEREIRA FILHO, nasceu em Aracati-CE em 30 de novembro de 1946. Terceiro filho do casal Antero Pereira da Silva e Maria Bezerra da Silva, Antero cresceu na Terra dos Bons Ventos, onde foi alfabetizado pela professora Dona Preta, uma querida amiga da família. Estudou no Grupo Escolar Barão de Aracati até 1957 e, a partir de 1958, no Colégio Marista de Aracati, onde concluiu o Curso Ginasial.
Em 1974, Antero casou-se com Maria do Carmo Praça Pereira e juntos tiveram três filhos: Janaina Praça Pereira, Armando Pinto Praça Neto e Juliana Praça Pereira. Graduou-se em Ciências Econômicas pela URRN-RN em 1976 e desde então tem se destacado em sua carreira profissional.
Antero atuou como presidente do Instituto do Museu Jaguaribano em duas gestões (1976-1979/1982-1985) e foi secretário na gestão do prefeito Abelardo Gurgel Costa Lima Filho (1992-1996), responsável pela Secretaria de Indústria, Comércio, Turismo e Cultura.
Além de sua carreira profissional, Antero é conhecido por seus estudos sobre a história e a memória da cidade e do povo aracatiense, amplamente divulgados em crônicas e artigos publicados na imprensa local desde 1975. Em 2005, sua crônica "O Amor do Palhaço" foi adaptada para o cinema em um curta-metragem (15") com direção de seu filho, Armando Praça Neto.

Obra

Assim me Contaram. (1ª Edição 1996 e 2ª Edição 2015)
Histórias de Assombração do Aracati. Publicação do autor. (1ª Edição 2006 e 2ª Edição 2016)
Ponte Presidente Juscelino Kubitschek. (2009)
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