POETOSSÍNTESE

Monday, 26 July 2021 13:06

R. LEONTINO FILHO

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R. LEONTINO FILHO R. Leontino Filho.

Seleta de poemas de R. Leontino Filho.

COMPANHIA 

  

aonde quer que eu vá 

a tua febre me comanda 

cuidado 

  

apenas mais um hábito 

o bom nesta parceria 

é o durante 

o ninho desmantelado 

a vertigem 

aonde quer que eu vá 

a tua umidade me habita 

atenção 

apenas mais uma inundação 

o bom nesta entrega 

é o pouso 

aonde quer que eu vá 

o teu ato é o meu 

e somos 

a cálida nascente. 

  

  

(R. Leontino Filho) 


 

TRẼS MÚSCULOS E UM NÓ 

  

 

  

asa temporã  

                palavra indelével  

sombra devassa  

                lunático sonho  

  

na memória  

                que não há  

  

  

...  

  

  

nove anos  

                no castelo  

das meninas  

                prostitutas andanças  

no silencioso coração  

  

  

...  

  

  

seios imensos  

sangram  

o desvario  

da inútil poesia  

a vida  

no rés do chão  

  

  

...  

  

  

urgência  

das letras  

forma disforme das bocas  

  

  

  

 

  

disfarçar  

o vive  

expressão burguesa  

dentro do sutil  

encontro  

  

  

...  

  

  

cheiros de história  

sábia  

lição de não aprender  

as mesmas linguagens  

as outras chances  

de esquecer  

 

morrer  

  

  

...  

  

  

sem nexo  

os prazeres da boca  

silenciam o caminho  

das frases  

  

  

...  

  

  

e tosse e tosse e tosse  

no limiar  

da imagem  

por cair  

   tosse  tosse  tosse  

poesia e vida  

competência e falência  

e       e       e  

inclinação  

de regras  

cegas  

longa tessitura  

encarcerado fantasma  

da glória  

vôo póstumo  

provisória cama  

das batalhas perdidas  

  

  

  

 

  

após cada badalada  

o espírito  

repete  

(os sinos dobram)  

o que foi  

o que é  

o que será  

  

  

será que foi o que é  

ou  

é assim  

o que foi  

em tudo que será?  

  

  

...  

  

  

poeta  

o céu aberto  

arguta cor  

da amarga  

solidão  

foi a obra prima  

escrita  

no cansaço  

no fracasso  

no desconforto  

dos dias  

  

  

...  

  

  

a tosse filosófica tosse  

a guerreira morta  

é a cegueira  

dos olhos vivos  

a guerreira solta  

será a safra  

do luxo colhido  

  

  

...  

  

  

às nove horas  

do primeiro  

e derradeiro  

galope  

  

  

...  

  

  

inocente é a pressa  

que (des)conhece  

pelos nove ventos  

a intimidade  

miúda da beleza  

  

  

  

fecho  

  

  

ao avesso  

da vida  

os olhos  

míopes  

miram  

o trevo  

  

  

...  

  

  

de viés  

a vida  

nas escamas  

do tempo  

(des)inventa  

a teia  

: tantos emaranhados  

esta fome gêmea  

gemendo  

no papel  

  

  

...  

  

  

a folha  

solta na teia  

o trevo  

hora sim hora não  

lambendo  

os seios  

da criação  

  

  

(R. Leontino Filho) 


 

 

PARTIDA INTEIRA 

  

  

Minha alma cega  

enxerga o teu corpo  

rasgando  

os sóis nus da madrugada  

  

  

  

Minha alma louca  

persegue os teus olhos  

incendiando  

as luas tortas da noite  

  

  

Minha alma vã  

colhe o teu cheiro  

mergulhando  

nos ventos doídos da tarde  

  

  

Minha alma vai  

sem pressa  

ao encontro  

da perdição:  

um corpo só corpo  

sem alma  

a minha 

  

  

(R. Leontino Filho) 

  

RECITAL 

 
 

Partida Inteira. R. Leontino Filho. 

Intérprete: Marciano Ponciano. 2008.


 

Lido 300 vezes Última modificação em Thursday, 17 November 2022 20:56
R. Leontino Filho

R. Leontino Filho (Aracati/CE, 1961) É poeta, ficcionista e ensaista. Doutor em Estudos Literários pela UNESP, Professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Publicou, entre outros, os livros de poemas "Cidade Íntima" e "Sagrações ao Meio". 

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