POETOSSÍNTESE

Sunday, 25 July 2021 21:26

EDUARDO DIAS

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Eduardo Dias. Eduardo Dias.

Selete de textos e poemas de Eduardo Dias.

O CANTO DA GRAÚNA 

  

Sou o cantor 

Principal 

Da madrugada, 

Sou o clarim da alvorada, 

Germinal 

Do sol nascente; 

  

Meu canto vibra 

Pelo céu ainda estrelado 

E no campo matizado 

Pelo orvalho reluzente. 

  

(Estribilho) 

  

Acorda, boiadeiro, 

Vai ver o gado 

No terreiro. 

  

  

Eu tenho as penas 

Cor da noite 

Sem luar, 

Quando passa o rijo açoite 

Da nortada a assobiar... 

Mas, no negrume 

Da plumagem que me encanta, 

Tenho estrelas na garganta 

Que me fazem mais cantar! 

Escuto o vento 

Farfalhar 

Na carnaúba, 

Como o mar 

A branca juba 

Aos bramidos do tufão; 

Então minh'alma 

De cantor 

Bebe com calma 

Os eflúvios deste amor 

Que me dá tal emoção . . . 

  

O sol imenso 

Abre as portas do Infinito 

Para escutar o meu grito 

O meu canto matinal; 

E a madrugada, 

Despertando 

Lacrimosa, 

Ouve a voz harmoniosa 

Do verde carnaubal. 

  

Eu sinto a dor 

Deste mato ressequido 

E o doloroso gemido 

Dos rebanhos desolados; 

Enquanto o vento, 

Sibilando 

Sem cessar, 

Vai passando 

A requeimar 

Os agrestes desmaiados. 

  

Aracati, abril de 1922. 

  

(Eduardo Dias) 

 
 

DIAS, Eduardo. "Cearenses": Poemas das Secas. São Paulo: João Bentivegna, 1950. 202 p. 


 

CARNAUBAL 

  

Ereto, verde-negro, as extensões bravias 
Das várzeas e sertões ocupa sobranceiro, 
Desde os rios caudais ao vasto tabuleiro, 
Dos penedos da serra às encostas sombrias. 

  

Murmura, como o mar, sublimes harmonias. 
Geme, soluça e canta, arfando o dia inteiro 
Ao sopro vesperal do nordeste banzeiro, 
Cheio de gratos sons e gratas melodias. 

  

Tem sibilos sutis e rugir de caudais, 
Das vagas o bramir nos vastos areais, 
Ou farfalha agitando os leques balouçantes... 

  

No rijo massapé as raízes enterra. 
— Carnaubal! Tu és a música da terra, 
O saltério da dor dos tristes retirantes. 

  

Fortaleza, 31-12-1922 

  

(Eduardo Alves Dias) 

 
 

 DIAS, Eduardo. "Cearenses": Poemas das Secas. São Paulo: João Bentivegna, 1950. 202 p. 


 

 

ELOS 

  

  

São duas rodinhas só 

Formando às vezes cadeia 

A acarretar duas almas 

Uma vida a vida alheia. 

  

Formando união perene 

Coração com coração 

Que coisa linda meu Deus 

Nascerá dessa união. 

  

Oh! corrente pequenina 

Essa doirada corrente 

A prender um coração 

Ao coração que é da gente! 

  

Que ligação tão bem feita 

Para não se separar 

Se vive por causa dela 

A canção do verbo amar. 

  

Como nasce, não sei... 

Como se cria, mistério, 

Duas rodinhas doiradas 

Ligando um ato tão sério! 

  

Mas a alegria que encerra 

Todo o amor que a gente sente 

Quando se quebra um dos elos 

Fica desfeita a corrente. 

  

Quando elas são batizadas 

São chamadas de alianças 

Quantos sonhos e ilusões 

Cristalizando esperanças. 

  

Só pode compreender 

Com profunda exatidão 

Quem traz bem dentro do seu 

Outro amado coração. 

  

Que coisa para assombrar 

De resultados tão belos 

Como é forte esta corrente 

Que tem apenas dois elos. 

  

Russas, 1970 

  

(Eduardo Alves Dias) 


 

Lido 863 vezes Última modificação em Thursday, 17 November 2022 20:57
Eduardo Dias

Eduardo Alves Dias- [...] Baiano de nascimento, porém cearense de coração, o espetáculo das calamidades climáticas de 15 e 32 a que assistiu, ocasionou a Eduardo Dias profundas ressonâncias, sacudiu-lhe a faculdade criadora em grau incomum, e arrancou-lhe da pena uma boa centena de páginas que um dia lhe assegurarão um lugar na nossa literatura das secas, ao lado de "O Quinze", de Raquel de Queiroz, que vem a ser porventura o seu mais forte êmulo, no gênero prosaico. 

Pe. A. Sobreira  in "Cearenses"- poemas das secas. 1950.

  

Publicou: 

"Cearenses"- poemas das secas. Ed. João Bentivegna. São Paulo. 1950. 

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