POETOSSÍNTESE

Thursday, 22 July 2021 21:02

PAULA NEI

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Paula Nei Paula Nei

Seleta de poemas de autoria de Paula Nei.

DE VIAGEM

 

Voa minh'alma, voa pelos ares,
Como o trapo de nuvem flutuante,
Vai perdida, sozinha e soluçante,
Distende as asas tuas sobre os mares.

Leva contigo os lânguidos cismares,
Que um dia acalentaste, delirante,
Como acalenta o vento roçagante,
A copa verde-negra dos palmares.

Atira tudo isso aos pés de Deus,
Lá onde brilha a luz e estão os céus
E virgens mil c'roadas de verbena.

Isto que já brilhou como uma estrela,
- Adeus! dirá, só pertenceu a ela,
Corpo de um anjo, coração de hiena!

(Paula Nei)



A ROSA VERMELHA

 

Morria a tarde sobre os píncaros da serra,
Descia vagarosa a sombra dos espaços!
A noite arrebatava o dia nos seus braços,
Cobrindo de tristeza a imensidade e a terra.

O crepúsculo como uma ave de asas largas
Baixava lentamente, austero, enegrecido...
Oh! triste hora sombria! Oh! saudades amargas
Para quem vive só, dos homens esquecido!

O sopro dos jardins embalsamava os ares...
Das rolas o gorjeio acalentava as almas
Como a estrela que avista o viajor nos mares.

E até neste meu peito havia uma centelha
Se olhava p'ro teu seio e se fitava as palmas
Daquela rosa viva, esplêndida e vermelha.


(Paula Nei)



A TRANÇA

 

Esta santa relíquia imaculada,
De teu saudoso amor, esta lembrança,
Da vida que fugiu arrebatada,
Ligeira, como um sonho de criança,

Nos sonos de um noite de bonança...
- Eu guardo junto a mim, oh! noiva amada,
Enquanto minha vista não se cansa
De vê-la e adorá-la, extasiada!

Com os fios desta trança, tão escura,
Tão negra, sim - que até minha amargura
Lhe invejaria a cor - e tão macia...

Qual pétalas de rosa eu teço à noite,
Da viração sentindo o brando açoite,
- O epitáfio da minha campa fria!...

 

(Paula Nei)



ADORAÇÃO

 

Tu és minha, afinal! Enfim, te vejo
Sobre os meus braços, lânguida, prostrada,
Enquanto em tua face, descorada,
Os lábios colo e sorvo-te num beijo.

Vibra em minh'alma o lúbrico desejo,
De assim gozar-te a sós, abandonada,
De sentir o que sentes, minha amada,
De escutar-te do peito o doce arpejo!

Quando, entretanto, eu sinto que teu seio
Palpita delirante em doido anseio,
Como a luz que do sol à terra emana,

Eu digo dentro em mim: se eu te manchara,
Se eu te manchara, Flor, ai! não te amara,
Oh! branca espuma da beleza humana!


(Paula Nei)



ADORAÇÃO

 

Tu és minha, afinal! Enfim, te vejo
Sobre os meus braços, lânguida, prostrada,
Enquanto em tua face, descorada,
Os lábios colo e sorvo-te num beijo.

Vibra em minh'alma o lúbrico desejo,
De assim gozar-te a sós, abandonada,
De sentir o que sentes, minha amada,
De escutar-te do peito o doce arpejo!

Quando, entretanto, eu sinto que teu seio
Palpita delirante em doido anseio,
Como a luz que do sol à terra emana,

Eu digo dentro em mim: se eu te manchara,
Se eu te manchara, Flor, ai! não te amara,
Oh! branca espuma da beleza humana!


(Paula Nei)


 

A FORTALEZA

 

Ao longe, em brancas praias embalada
Pelas ondas azuis dos verdes mares,
A Fortaleza, a loira desposada
Do sol, dormita à sombra dos palmares.

Loira de sol e branca de luares,
Como uma hóstia de luz cristalizadas,
Entre verbenas e jardins pousada
Na brancura de místicos altares.

Lá canta em cada ramo um passarinho,
Há pipilos de amor em cada ninho,
Na solidão dos verdes matagais...

É minha terra! A terra de Iracema,
O decantado e esplêndido poema
De Alegria e beleza universais!

 

(Paula Nei)



A ABOLIÇÃO

 

A justiça de um povo generoso,
Pesando sobre a negra escravidão,
Esmagou-a de um modo glorioso,
Sufocando-a com a lei da Abolição.

Esse passado tétrico, horroroso,
Da mais nefanda e torpe instituição,
Rolou no chão, no abismo pavoroso,
Assombrado com a luz da Redenção.

Não mais dos homens os fatais horrores,
Não mais o vil zumbir das vergastadas,
Salpicando de sangue o chão e as flores.

Não mais escravos pelas esplanadas!
São todos livres! Não há mais senhores!
Foi-se a noite: só temos alvoradas!


(Paula Nei)


 

AO PIANO


Aquele piano, que ontem soluçava,
Triste e dolente, a doce cavatina
Dos teus sonhos, oh! lânguida bonina,
Parecia uma órfã que chorava...

Parecia uma nuvem que espelhava,
A branda luz da estrela matutina;
Parecia uma pomba que arrulhava,
Na orla verde-negra da campina.

E eu chorava também... Tinha em meu peito
A dor da ausência, o peneral martírio
Dum grande amor passado e já desfeito!

Então, pedia às brisas que corriam,
Puras e leves, como o odor do lírio,
Para falar-te; e as brisas me fugiam...

 

(Paula Nei)


 

Lido 338 vezes Última modificação em Thursday, 17 November 2022 21:05
Paula Nei

PAULA NEI- Poeta e jornalista brasileiro. Nasceu no Estado do Ceará, na cidade de Aracati, a 2 de fevereiro de 1858. Publicou com Coelho Netto e Pardal Mallet - o "Meio social, politico, literário e artístico" em 1889. Faleceu no Rio de Janeiro a 13 de outubro de 1897. 

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