POETOSSÍNTESE

Sunday, 25 July 2021 17:22

ANTÔNIO DA ROCHA GUIMARÃES

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Antônio da Rocha Guimarães Antônio da Rocha Guimarães

Seleta de textos e poemas escrito por Antônio da Rocha Guimarães.

MEMÓRIAS: CHEIAS DE ARACATI 

 

[...]  tenho lembranças mais vivas, da cheia que ocorreu no referido ano de 1924, em que o Jaguaribe invadiu a cidade de Aracati, desalojando todos os seus habitantes, que, no Carnaval passado, haviam cantado a marchinha que dizia: 

  

"Vamos pro mato morar laiá 

Vão marchando que eu já vou"... 

  

ficando grande parte da população abrigada debaixo dos cajueiros e oiticicas, por absoluta falta de terem aonde ir, durante quase um mês. 

  

  

Lembro-me que estávamos dormindo na casa da nossa tia Teté, que era vizinha da nossa (rua do Comércio 210) [...], e quando acordei de manhã, vi os penicos boiando, como verdadeiros barquinhos de papel, que a estes se assemelhavam até pela cor branca da louça de que eram feitos. 

  

Levantei-me assustado e coloquei os pés dentro d'água, pois o rio Jaguaribe havia invadido a nossa maior privacidade e o que nos valeu, é que dormíamos na rede, que sendo alta, não foi atingida pela inundação. 

  

Aí, então, começou o lufa-lufa de apanhar tudo o que fosse possível salvar da enchente, para colocar no barco que meu avô Quincas havia providenciado, para nos levar à nossa fazenda, que fica na margem esquerda do rio e que na sua parte mais alta, não é atingida pelas inundações periódicas. 

  

Em 1917, havia ocorrido outra cheia de igual porte, quando várias pessoas da família Figueiredo morreram afogadas, quando passeavam de barco no perigoso rio, quando cheio demais, e o mastro da embarcação tocou no fio telegráfico, fazendo a barca virar e os que não sabiam nadar, foram arrastados pela correnteza, no lugar denominado Tomé. 

  

Na cheia de 1924, muitas famílias eram embarcadas pelas varandas dos sobrados, tão alta estava a água dentro da cidade e todos tinham que correr o mais depressa possível, para salvar a própria vida, antes que começassem os desmoronamentos e os consequentes redemoinhos por eles causados, com risco de vida para os que estavam próximos. 

  

O difícil, além de sair da cidade inundada, era transpor a correnteza violenta, causada por um rio de 500 metros de largura habitualmente, transformado numa largura de mais de 2.000 metros. 

  

Para evitar esta grande correnteza, era preciso sair com o barco pela parte mais oeste da cidade, no lugar denominado Cruz das Almas, onde havia o campo de futebol, para cruzar o rio na direção do Tomé ou Barreira Vermelha, onde hoje fica a ponte Juscelino Kubistchek, com 500 metros de largura, para que o barco, empurrado pela grande corrente, aportasse no Porto de José Alves, onde fica a sede da fazenda do meu avô, hoje nossa e dos nossos primos, Maria, Lucimar e Armando, filhos da tia Teté e dos meus irmãos José e Helena, que lá moram até hoje. 

  

Pra isso, estávamos entregues à perícia do timoneiro, que ficava encarregado do leme e da força dos remadores, que em número de oito, quatro de cada lado do barco, mantinham a sua proa apontada para o Tomé, no sentido de não sermos arrastados para a Barreira Preta, lugar onde a correnteza era mais acentuada, dada a grande curva que o rio faz nesse local, onde poderíamos até soçobrar. 

  

Nossas tias avós, irmãs do meu avô Quincas, chamadas carinhosamente, Mimim, Mina, Mindoca, Cá e Flor, apelidos de Hermínia, Guilhermina, Felismina, Ricardina e Florinda, iam juntamente com minha mãe, tia Teté e Leonor, ajoelhadas no barco rezando, para que a travessia se fizesse a são e salvo, pois além dos adultos, eram 8 crianças, 4 meninos e 4 meninas, além dos empregados e do meu avô. 

  

Felizmente, conseguimos atravessar o rio e aportamos no lugar denominado Alto da Cheia, onde iríamos passar uma alegre temporada de férias, tato em que se converteu a cheia para as crianças, pois, para os adultos era um grande transtorno, mas, para as crianças era motivo de aventura e de uma temporada fora da rotina, pois até o horário rígido de dormir, que era às 19 horas, foi relaxado para as 20, apenas com a falta da tia Belinha Souto, amiga da minha mãe, que ia todos os dias nos contar história na cidade, mas que com a cheia, teve que ir para o seu sitio Cajueiro, onde havia também um Alto para as cheias periódicas, que afligem a centenária cidade de Aracati. 


 

VELHA PAINEIRA 

  

  

I 

  

  

Não recordemos a vida que passou 

Suspirando pela antiga mocidade, 

Mas olhemos a árvore que ficou 

De pé assistindo a tempestade, 

  

  

II 

  

Dando abrigo seguro ao viandante  

Que não pode seguir na caminhada,  

Protegendo-o da noite inquietante  

E já de pé quando surge a alvorada 

  

III 

  

Não exaltemos somente a mocidade  

Que possui a pureza do orvalho,  

E do bambu a flexibilidade.  

Mas não tem a resistência do carvalho, 

  

IV 

  

Como só acontece com as procelárias,  

Que prenunciam sempre a tempestade,  

Miremo-nos nas árvores centenárias  

Que jamais se abateram com a idade 

  

V 

  

  

É bem melhor aquele que resiste  

Ao furacão e à força da enxurrada,  

E em toda sua vida só persiste  

Na direção da meta desejada 

  

VI 

  

  

Quanto mais velha a secular paineira  

Mais se admira a sua grandeza,  

Mais se destaca sua fronde altaneira  

E o seu potencial de fortaleza 

  

VII 

  

Assim também a nossa vida é como a planta 

Que de pequeno arbusto inicial,  

Em árvore formosa se levanta,  

Com galhardia vence o temporal 

  

VIII 

  

Sobrepuja a fúria da tormenta,  

Mantendo sempre a sua grande fé,  

Mostrando a todos a fibra que a sustenta 

E quase sempre vai morrer de pé. 

  

(Antônio da Rocha Guimarães in "50 Anos de Poesia",p. 63) Rio, 31-7-90) 


 

PARA DRUMMOND DE ANDRADE 

  

  

I 

  

Poeta Drummond de Andrade  

Tu foste o vate maior  

Que habitaste esta cidade  

Fazendo o verso melhor 

  

  

II 

  

Com a mesma simplicidade  

Com que viveu nos deixou,  

Largando na orfandade  

A cidade que amou 

  

III 

  

Deixando a sua Itabira  

Ainda na mocidade  

Construiu com sua lira  

Um verso de qualidade 

  

IV 

  

Seus poemas correm o mundo  

Nos livros que publicou,  

Seu sentimento é profundo  

É o poeta do amor 

  

V 

  

Viveu com muito critério  

Sem nada querer da vida  

E nos lega o refrigério  

Do exemplo na partida 

  

VI 

  

A sua morte provém  

De perder filha querida  

Seu coração não contém  

Mais alento para a vida 

  

VII 

  

Quero que você poeta  

Mande outro em seu lugar,  

Pois a vida que se enceta  

Sem versos pode parar. 

  

(Antônio da Rocha Guimarães in 50 Anos de Poesia, p. 55) Rio, 18-8-87 


 

TEUS OLHOS 

  

  

Teus olhos têm um brilho singular  

Encantaram-me tanto ao contemplá-los  

Que vacilei com estrelas compará-los  

Ou com safiras sempre a cintilar 

  

  

Olhos azuis que tem a cor do mar  

Com lindos cílios de ouro a circundá-los  

Ninguém fitá-los pode sem pasmar 

  

E como o rio manso e cristalino  

Que vai serenamente deslizando  

Sob a suavidade do luar 

  

Desejo ter idêntico destino  

Que minha vida vá se iluminando  

Debaixo de tão cândido olhar. 

  

(Antônio da Rocha Guimarães in 50 Anos de Poesia, p. 21) Fortaleza, 12-5-43 


 

TUA BELEZA 

  

  

É tão grande a tua formosura,  

É tão angelical o teu semblante,  

Que se desfaz em mim toda a amargura  

Ao contemplar teu rosto cativante. 

  

  

Quem me dera poder ser teu amante  

Para gozar de teu rosto a candura,  

Simulacro real ou semelhante  

Ao de deusa mudada em criatura. 

  

Se me amas de todo o coração  

Quisera eu também ter a certeza,  

Anjo de paz, estátua do perdão, 

  

E eu te afiançava com presteza,  

Que  das virgens  que  habitam o  meu torrão,  

És tu somente o símbolo da beleza. 

  

(Antônio da Rocha Guimarães in 50 Anos de Poesia, p. 11) 


 

Lido 393 vezes Última modificação em Thursday, 17 November 2022 21:02
Antônio da Rocha Guimarães

ANTÔNIO DA ROCHA GUIMARÃES- Cronista e poeta aracatiense. 

Publicou:

  • "Memórias de Antônio da Rocha Guimarães". ZN- Papelaria e Gráfica Ltda. Rio de Janeiro-RJ.1987. 

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