POETOSSÍNTESE

Wednesday, 28 July 2021 14:31

JULIO CÉSAR DA FONSECA FILHO

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Julio César da Fonseca Filho Julio César da Fonseca Filho

Seleta de poemas escritos por Julio César da Fonseca Filho.

NUM MOMENTO DE ANGÚSTIA MORAL VOU MORRER 

  

Sinto que a vida me foge 

Vou morrer. Pior que a morte 

É deixar-vos, ó meus netinhos, 

Ao sabor da dura sorte. 

  

Vou morrer, ó que saudades 

Da minha querida esposa! 

O que sinto dentro d'alma 

Ninguém proclamar não ousa. 

  

Vou morrer, ó meus filhinhos, 

Quanto sofrer, quanta dor! 

Sinto que a vida me foge, 

Só não foge o meu amor. 

  

Adeus! Se no Céu é dado 

Ter humano sentimento, 

Hei de amá-los sempre e sempre 

Sem cessar um só momento. 

  

Vou tombar agora inerte 

Dos mortos na solidão; 

Vou voar para o meu Deus 

Nas asas de seu perdão. 

  

  

(Julio Cesar da Fonseca Filho) 


 

O MAR

Ocean, Terrible Ocean! 

  

Gigante orgulhoso, soberbo, iracundo, 

Com águas cerúleas circundas o mundo, 

Sempre repleto de imensa altivez! 

  

E as praias inundas com alvas espumas, 

E as vagas ruidosas uma por uma 

Com cavo rumor beijar vão teus pés! 

  

Às vezes insultado por Éolo importuno, 

Rugindo, roncando, o raivoso Neptuno 

Arroja-se ás praias aceso em furor! 

Vomitando escarcéus, sirtes tamanhas 

Nas rochas se quebram com imenso fragor! 

  

Redobram-se as iras do leão-oceano 

Bramindo terrível com estrondo vesano. 

Os equoteos cilindros girando velozes! 

As vagas irritadas se erguem incessantes, 

Tragando os baixéis com fauces hiantes, 

chocando-s'em fúria, s'embatem ferozes! 

  

Além, em um batel, perdido, e sem rumo 

Um nauta inexausto, sacode-lhe o prumo, 

Execrando um santelmo ao seu Criador! 

Lhe sonda as entranhas, de ouro repleta, 

Lutando co'as vagas o exânime atleta, 

Se prosta vencido da sorte ao dispor! 

  

Império gigante, que em luta voraz 

Rejeitas as tréguas, fugindo da paz 

Sempre arrogante, sanhudo e insano! 

O indômito dorso não curvas servil, 

Não temes a nada, não temes a mil, 

Gigante orgulhoso, terrível oceano! 

  

Ó canto terrível, de ser perdurável, 

Do infindo Poder incripção memorável, 

Sempre repleto de imensos escarcéus! 

Ó campo terrível, d'imensa grandeza 

Quem foi que cinguiu-te com tanta fereza? 

Quem foi o arquiteto que te conheceu? 

Deus?... 

  

  

(Aracati-1868) 

  

(Julio Cesar da Fonseca Filho) 


 

A VIDA É TRISTE 

  

A vida é triste como é o canto 

Que solta o nauta n'amplidão dos mares, 

Como o proscrito em ignotas plagas 

Chorando a sorte de cruéis pesares. 

  

A vida é triste como é triste a prece 

Que exala os lábios do morto enfermo; 

A vida é triste como é triste o pio 

Do noitibó na solidão de um ermo. 

  

A vida é triste como é triste a límpda 

Que sobre os seixos suspirando - vai; 

A vida é triste como é triste a flor 

Que murchecida suspirando - cai. 

  

A vida é triste como é triste o pranto 

Que inunda as faces de gentil donzela; 

A vida é triste como é triste o psalmo 

Que entôa o monge na calada sela. 

  

A vida é triste como é triste o lírio 

Pendente a um sopro de fatal tufão; 

A vida é triste como é triste o mocho 

Em ermo nicho presagiando em vão. 

  

A vida é triste como é triste um carmo 

Em lábios virgens suplicando a Deus; 

A vida é triste como é triste o teixo 

Atro e sombrio se elevando aos Céus. 

  

A vida é triste como é triste o mísero 

Em noite tétrica esmolando - luz; 

A vida é triste como é triste a jovem 

Que adela d'honra ao bordel conduz. 

  

A vida é triste como é triste a nenia 

Da filemela no cair da tarde; 

A vida é triste como é triste a rola 

Carpindo endeixas quando o sol não arde. 

  

A vida é triste como é triste a lágrima 

Que compassada n'um sudário cai; 

A vida é triste como é triste a súplica 

Do condenado quando ao poste vai. 

  

A vida é triste como é triste o ai 

Da mãe que chora por seu terno encanto; 

a vida é triste como é triste um dobre... 

a vida é um riso que s'esvai n'um pranto. 

  

  

(Aracati-1868) 

  

  

(Julio Cesar da Fonseca Filho) 


 

A ARTE E O GÊNIO 

  

A Arte, é quem para o gênio 

Faz oceanos de glórias; 

Os turbilhões dos aplausos 

São Maestros das vitórias! 

  

Ser gênio é gerar vulcões 

No seio das multidões, 

Astros mundos, epopéias; 

É criar selvas de palmas, 

Milhos sagrados nas almas, 

Montanhas de Odisséias! 

  

É ter na fronte altaneira, 

Do Sinal os mil clarões! 

Pytonisa, - o seu olhar 

Fulmina mil corações! 

Tendo nas asas possantes 

Todos os vôos gigantes 

Das águias dos Prometeus, 

Arrancas do caos os sóis 

De que se fazem crisóis 

Para os mistérios dos céus! 

  

Ei-la! Vestal inspirada 

Zelando as piras das artes 

Ante as lavas deste fogo 

Que valem lutas de Martes?! 

Relâmpagos de pensamentos 

Em horizontes sedentos 

De tempestades de luz, 

São dos artitas- troféus 

Arremessados por Deus 

Das cordilheiras azuis! 

  

Tu passas colhendo cultos, 

Cantos, hinos, ovações; 

Para c'rôas tens estrelas, 

Para tronos- corações! 

Na hora em que tu te expandes 

Descem condores dos Andes, 

Rolam poemas de fé; 

E se ao verbo das Marselhesas 

Se prostram mil realezas, 

Tu sempre ficas de pé! 

  

  

(Julio Cesar da Fonseca Filho) 


 

 

O PORTUGUÊS 

Minha Língua 

  

Minha língua tem primores, 

Tem magias de encantar, 

É língua de trovadores, 

Tem doçuras de luar. 

  

Da escala todos os sons  

E do céu todas as cores, 

É feita de corações  

E dos aromas das flores. 

  

Tem canto de rouxinol,  

Do clarim tem os clangores, 

E fulgura como o sol,  

Da manhã, entre os albores. 

  

Faz tremer, faz abalar, 

É favônio e é procela; 

Tem os ruídos de um mar 

E as vibrações de uma tela. 

  

Tem a palavra - saudade- 

Sá por si vale uma prece, 

Ao dizê-la, na verdade, 

A boca em beijos se tece. 

  

É de bronze e de cristal, 

É de ouro e diamantes, 

Não conhece o que é mal, 

É a língua dos amantes. 

  

Tem a seiva e a pujança 

Da floresta virginal; 

Pelos deuses sem tardança 

Foi forjada em luz vernal. 

  

Tem filtros inebriantes, 

É divinal pedraria, 

Tem divícias deslumbrantes, 

Outras mais não quereria. 

  

Do aedo é puro canto, 

Do orador - ardente pira, 

Não é língua, é sumo encanto 

É dos anjos santa lira. 

  

  

(Julio Cesar da Fonseca Filho) 


 

Lido 293 vezes Última modificação em Wednesday, 16 November 2022 22:02
Julio César da Fonseca Filho

Julio Cesar da Fonseca Filho- jornalista, escritor, poeta e republicano. Nasceu em Aracati-CE em 10 de outubro de 1850, filho do Major Julio Cesar da Fonseca e Dona Joana Ramos da Fonseca. Jornalista nato, embora sua formação escolar o tenha conduzido a colar grau em Direito, Julio Cesar da Fonseca Filho esteve durante toda a sua vida sempre em torno de jornais. Neles escrevia, diariamente, artigos e poesias. Assim é que, pouco antes de completar 14 anos, iniciou seu ofício em torno da imprensa escrevendo crônicas para um periódico de Aracati-Ce. Aos 18, passou a publicar suas resenhas em jonais de Fortaleza-Ce.

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